sexta-feira, 3 de maio de 2019

Entrevista de John Frusciante para a Guitar World - Edição de Maio/2014

Entrevista traduzida e postada no site Universo Frusciante, nosso parceiro aqui do blog por vários anos.

John Frusciante foi entrevistado pela revista Guitar World para a edição de maio/2014. A entrevista foi feita por Richard Bienstock, que faz perguntas a John sobre seu novo álbum Enclosure, sobre tocar ao vivo, equipamentos e sobre como está sua vida hoje sendo um músico "independente". Confira a entrevista traduzida:


CHAMA CASEIRA
O ex-Red Hot Chili Peppers John Frusciante mantém o fogo caseiro queimando com o seu mais recente trabalho solo, Enclosure, e diz por que seus dias no palco ficaram para trás
Por Richard Bienstock

Desde que deixou o Red Hot Chili Peppers – pela segunda vez – em 2009, John Frusciante se manteve praticamente ausente dos olhos do público mainstream. Mas isso não significa que o guitarrista não esteve ocupado escrevendo, gravando e lançando novas músicas. De fato, sua produção nos últimos anos tem sido divergente em quantidade e saída. Ela engloba álbuns solo (o eletrônico e experimental PBX Funicular Intaglio Zone de 2012), EPs de gêneros misturados (Letur-Lefr, de 2012 e Outsides, de 2013), singles distribuídos como downloads gratuitos (a peça solo de guitarra de 10 minutos "Wayne"), colaborações (com, entre muitos outros, a cantora – e sua esposa – Nicole Turley e o guitarrista do At The Drive-In e Mars Volta, Omar Rodriguez-Lopez), e até mesmo trabalho de produção (com o grupo de rap filiado ao Wu-Tang Clan, Black Knights).

Mas não importa o projeto que ele persiga nestes dias, o traço comum de Frusciante é sempre, de uma forma ou de outra, fazer música. O que não é bem a mesma coisa que tocar música:

“O importante para mim é estar no processo criativo”, diz ele. “Eu costumava ser muito frustrado quando estava em uma banda de rock com a obsessão de todo mundo pelo o que será feito no final do dia. Eu não acho que isso deva ser o objetivo, tipo, ‘Oh, ótimo, acabamos. Agora podemos ir para a tarefa mais importante, que é promover nós mesmos ou ir para o palco’. Para mim, estar no estúdio gravando e sendo criativo é a sua própria recompensa. E as melhores coisas que acontecem surgem durante o processo, e não após. Então, eu estou feliz de viver no estúdio e de mergulhar na música”.

E, aparentemente, terminar projetos em sua própria agenda. Sobre isso, a mais recente oferta de Frusciante é Enclosure, um trabalho de 10 músicas que ele escreveu e gravou a maioria em 2012, ao mesmo tempo em que estava produzindo o disco do Black Knights, Medieval Chamber. Tal como os seus últimos lançamentos solo, Enclosure encontra Frusciante se aprofundando ainda mais em sua fascinação por sons eletrônicos. Além disso, como a maioria de seu trabalho solo, ele canta e toca todos os instrumentos – que além de guitarra consiste principalmente em baterias eletrônicas e sintetizadores criando paisagens sonoras descontroladamente divergentes e impressionistas, que são alternadamente viajantes (“Run”), sinistras (“Shining Desert”), sem direção (“Crowded”) e pungentes (“Fanfare”). Há também uma boa dose do trabalho inimitável do guitarrista tantas vezes elogiado, como nas cinéticas sacudidas de notas simples no meio de “Stage” e nos acompanhamentos angulares para Acid que se estendem praticamente por todo o comprimento da instrumental de mais de seis minutos, “Cinch”.

Para isso, enquanto Frusciante ultimamente parece estar mais extasiado com instrumentação eletrônica, ele também ressalta que os fãs de sua guitarra irão encontrar muita coisa para gostar no seu álbum solo. “Na verdade, há muito mais guitarra em destaque aqui do que há em qualquer álbum dos Chili Peppers”, diz ele. “Solar em um álbum dos Chili Peppers significa que você toca pouco mais de 20 ou 30 segundos no meio da canção. Mas eu tenho solos de 10 minutos em algumas dessas coisas. Assim, a guitarra sempre desempenha um papel importante na minha música”.

Mas talvez o mais significativo seja o fato de que, se ele está tocando guitarra, cantando, ou até mesmo programando uma máquina de sintetizador ou bateria, o lançamento solo de Frusciante é em todos os casos uma construção sem filtro e sem obstáculos de sua própria mente criativa. “Como músico, eu desejo ouvir minha visão completa realizada”, diz ele. “Não estou interessado em ver como as outras pessoas querem mudar o que eu faço, ou como seus próprios talentos musicais se inspiram no que eu faço. Eu quero fazer a coisa toda do meu jeito. Não é uma questão de querer ter o controle – é uma questão de querer estar no processo criativo, sem considerações humanas e sem considerações comerciais afetando a música”.

Na véspera do lançamento de Enclosure, Frusciante falou com a Guitar World sobre seu processo criativo, o seu amor por instrumentos eletrônicos e como ele aproxima o solo de guitarra a seu trabalho atual. Ele também falou com franqueza surpreendente sobre alguns dos desafios artísticos que enfrentou durante o seu tempo no Chili Peppers e explicou por que, enquanto está, talvez, mais comprometido do que nunca com fazer música em um estúdio, ele pode nunca mais tocar ao vivo em um palco de novo.

ENTREVISTA
Guitar World: Sua música solo abrange muitos sons e estilos diferentes. Para aqueles que só conhecem seu trabalho com os Red Hot Chili Peppers, é muito fora do que eles estão acostumados a ouvir de você.
John Frusciante: Quando você está em uma banda popular, você tende a fazer o que acha que o público da banda irá responder. Mas os meus gostos sempre foram muito diferentes daquele estilo. Mas [no Chili Peppers] eu estava objetivando escrever coisas que eu sabia que Anthony [Kiedis] gostaria de cantar, Flea gostaria de tocar baixo e Chad [Smith] soaria bem tocando bateria por cima. Então você entra em uma situação onde você está apontando sua musicalidade numa direção, que é a direção do público, da banda e os membros da banda, dos gestores da banda e da gravadora da banda. Mas a música que eu faço agora não é dirigida a qualquer público específico, a quaisquer interesses empresariais específicos ou qualquer coisa assim. Eu especificamente não faço música a fim de fazer outras pessoas felizes. Eu faço a música que me faz feliz. Então, eu entendo como o lado de fora [a música que eu estou fazendo agora] seria surpreendente com base no que eu fiz antes. Mas qualquer um que me conhece sabe que estou fazendo exatamente o que eu quero fazer.

Mesmo que haja uma abundância de guitarra, a música não é, geralmente, baseada em riffs. Você às vezes se refere ao que você faz como progressive synth-pop. Como sua guitarra se encaixa neste som?
Eu me treinei como músico nos últimos seis anos para aprender a pensar mais como um tecladista do que um guitarrista. Não que eu realmente toque teclados – eu programo números em máquinas e é aí que os sintetizadores surgem na minha música. Mas como guitarrista, eu posso tocar junto com o material de Rick Wakeman no Yes ou coisas de Tony Banks no Genesis, e penso do jeito que as pessoas pensam. Então, quando escrevo progressões de acordes hoje, eles tem mais em comum com esse estilo. E quando eu solo, quero que haja algumas modulações interessantes ou outras coisas para tocar por cima. Estou à procura de algo que um guitarrista normalmente não quer para solar por cima.

Quando você aproxima esses longos solos de guitarra a músicas como “Same” doOutsides, de 2013 ou “Cinch” do novo álbum – o que você faz para conseguir?
Estou tentando me desafiar. Eu tento fazer coisas que seriam inconvenientes para um guitarrista solar sobre. Isso é o que é divertido para mim – ver a correspondência entre minha imaginação e meus hábitos e a minha inteligência. Eu quero que eles todos coordenem-se um com o outro e que eu tenha dificuldade em fazer isso. Tipo, eu não quero ficar apenas solando sobre um vamp em Mi ou algo assim. Eu quero os acordes mudando, quero o tom sendo modulado. Quero que seja algo que um guitarrista de blues não pudesse apenas sentar e tocar. Olhando ao longo da história, eu percebo que você tem essas pessoas realmente boas solando sobre modulações, como George Harrison, Jeff Beck ou Mick Ronson. Mas noto que eles não tocam tão loucamente como Frank Zappa ou Jimi Hendrix. E a razão de Frank Zappa ou Jimi Hendrix tocarem mais descontroladamente é porque eles solam principalmente sobre vamps. Então o que eu tento fazer é tocar sobre os tipos de progressões que pessoas como Mick Ronson ou George Harrison mais solaram, mas fazendo isso de uma forma que seja tão selvagem como Jimi Hendrix ou Frank Zappa.

Você também escreve e toca todos os instrumentos de apoio que tendem a consistir principalmente de sintetizadores, drum machines e samples. O que te levou ao seu interesse em instrumentos eletrônicos?
Quanto aos instrumentos eletrônicos, você só tem que entender que a razão pela qual aprendi a tocar todos esses instrumentos é que acredito na minha própria visão da música, e não queria apenas contribuir para uma música, como fiz quando eu estava em uma banda. Quero criar uma música sozinho. Então, eu quero tocar bateria do jeito que quero que soem e quero tocar sintetizadores do jeito que quero soem. E quero usar samples, porque penso que eles são o instrumento mais forte e mais poderoso do mundo. Então essa é a razão pela qual estes são os instrumentos que eu toco, porque como músico eu desejo ouvir a minha visão completa realizada.

O fato de você gravar sozinho e em casa ajuda.
Ajuda. Enclosure estava esperando há quase um ano, mas estou lançando-o apenas agora. Nunca houve qualquer pressão sobre mim por uma fonte externa. Isso costumava ser realmente irritante. Não ajuda estar cercado por pessoas que só se preocupam com as coisas quando você está terminando, enquanto você realmente gosta de estar no processo. É perturbador.

Todas as coisas que acontecem depois que a música é gravada – o marketing, as entrevistas, as aparições – são todas as coisas que você não tem nenhum interesse em fazer parte de novo.
Não acho que isso seja como um músico deve pensar. Digo, eu acho que Beethoven escreveu boa música. Ele não estava achando que as pessoas deveriam gostar do seu charme ou do sorriso em seu rosto ou da porra das coisas espirituais que ele tinha a dizer, sabe? [risos] Ele manteve sua mente na música, e foi ficando melhor e melhor fazendo música ao longo de sua vida. Independentemente de como o público respondeu com o que ele estava fazendo, ele não estava usando-os como seu guia. E acho que um músico pode viver uma vida longa e saudável assim. Se você está sempre pensando sobre se o que você está fazendo é acessível ou cativante, estas são coisas que não são habilidades musicais. Elas são maneiras que você pode chupar o público ou chupar pessoas de negócios. Você não pode desenvolve-las diretamente pela prática do seu instrumento. Então, na minha mente, as coisas que músicos profissionais trabalham pensando no futuro não são objetivos musicais; são objetivos de finanças, popularidade e visibilidade. Para mim, eu não entendo isso. Você tem tanto espaço mentalmente, e tem tanto tempo para estar aqui...

Como tocar ao vivo entra isso?
Com os Chili Peppers, eu estive na banda, tipo, 10 anos, nesta última vez. E passamos mais tempo em turnê do que escrevendo, de longe. Para mim, esse não é um caminho para um músico viver sua vida. Eu consigo entender que é uma ótima maneira de viver sua vida se você é um caçador de atenção. Mas para alguém que ama a prática musical é realmente um desafio estar em uma banda como essa. Eu consegui estar em turnê e praticar todos os dias, antes e depois dos shows e passar alguns dias de folga lendo. Mas você está indo contra a maré se fizer isso nos negócios do rock and roll. A maioria das pessoas nos negócios do rock and roll está feliz em passar a maior parte do seu tempo elaborando estratégias de como elas poderiam ser mais populares. Não acho que isso é um estilo de vida saudável para um músico.

Então, mesmo o ato de tocar música no palco começou a perder apelo para você?
Bem, sim, porque você está se repetindo mais e mais. Você pode tocar um pequeno riff adicional em algum lugar, ou pode fazer um pouco de improvisação no final do show, mas, basicamente, você está fazendo a mesma coisa todas as noites. E o público está experimentando como se fosse a primeira vez que isso acontece, mas você está ciente de que você tem feito todas as noites pelo último ano e meio. Você está agindo estar todo animado com aquilo, mas não está.  Tudo é apenas um grande jogo de fingir, que o público, de alguma maneira, acredita.

Você pretende tocar seu próprio material ao vivo em algum momento?
Hummm...não. Eu acho que não nasci para o entretenimento. Acho que foi algo que me adaptei e que me forcei para isso. Mas não sinto que isso é quem eu realmente sou. Flea, Anthony e Chad para mim nasceram para entreter. Eu não. Não é o que fui colocado aqui para fazer.

Você prefere fazer sua música no estúdio.
Sim. Subir ao palco para mim me parece...é um desfile. Você meio que está usando sua presença física como um adereço ou algo assim. Não é realmente uma coisa musical. E acho que todas essas gerações que surgiram depois da MTV devem se lembrar que a música não é uma coisa visual. É um som. É uma perturbação das moléculas de ar. Não é a cara que alguém faz ou a roupa que alguém usa. Hoje o que pensamos como um músico de verdade é alguém que vemos no palco detonando com seu instrumento, fazendo seus giros e suas caras. Mas eu acho que as pessoas devem se lembrar que nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os músicos mais poderosos do mundo eram compositores. Eles não estavam lá quando você estava ouvindo a música. Eles viveram isolados, escrevendo.

Quais guitarras que você vem usando ultimamente no seu processo de escrita e gravação?
Estive tocando principalmente Yamahas SG-2000, do final dos anos setenta e início dos anos oitenta. Elas são meu tipo favorito de guitarra. Você pode obter uma grande quantidade de variedade de tons delas, e em termos de madeira, são guitarras muito pesadas, então elas possuem um som muito gordo. Muito mais gordo do que Strats. Eu também tenho algumas SG-1500, e também uma Ibanez Artist e uma Carvin Allan Holdsworth. A Carvin é uma guitarra interessante - é oca por dentro, mas não tem f-holes. Por isso, tem um som diferente. Também tenho uma guitarra Roland G303, que uso com uma guitarra-sintetizador GR300.

Nos Chili Peppers, você estava sempre associado a Strats antigas.
Eu costumava tocar guitarra dos anos sessenta e setenta, mas agora estou mais em guitarras do início dos anos oitenta. Aliás, essa é também a mesma época de quando a maioria dossequencers e drum machines que eu uso foram feitas. Acho que foi uma época muito boa para instrumentos eletrônicos.

De um ponto de vista de construção de guitarras, o início dos anos oitenta não é um período que normalmente é fetichizado.
Sim, e me parece engraçado, porque essas guitarras são realmente ótimas. Quando comecei a tocar Strats, elas não eram guitarras populares. Naquela época as pessoas estavam tocando guitarras de heavy metal. Minha primeira Strat vintage provavelmente comprei por 800 dólares. Elas não eram muito procuradas. Mas as toquei por muito tempo e me acostumei com aquela coisa característica que as velhas guitarras de captador único possuem. Mas a Yamaha SG, essa guitarra é equilibrada harmonicamente da mesma forma que um piano ou um órgão é. Se for a nota mais baixa ou a mais alta do instrumento, tem um tipo igual de amplitude. E você não tem tanto roundness no som, onde a nota começa mais fina e, em seguida, fica mais grossa...todo esse tipo de coisa. Você fica com um som direto, gordo, consistente em cada traste de cada corda. É um grande instrumento para mim, especialmente sobre o que eu estava dizendo de pensar como um tecladista quando toco guitarra.

E sobre amplificadores?
Uso principalmente um Marshall [Silver] Jubilee. Tenho a cabeça bem perto de mim no meu estúdio e o gabinete fica numa sala separada. Quando estou gravando, algumas vezes envio o som volta para o estúdio através de alguns alto-falantes e os gravo novamente por um microfone ambiente. Então combino o som ambiente com o som gravado de perto. Vários sons de guitarra no álbum, não são só o som da guitarra no momento em que toquei.

Você tende a gravar suas músicas de forma rápida?
Eu diria que as coisas se movem muito rápido por aqui. Provavelmente tenho duas ou três músicas que podem ser feitas em qualquer tempo. Mas, como eu disse anteriormente, o que é importante para mim não é realmente terminar as coisas, é estar no processo criativo. A razão pela qual eu me esforço para destacar a música é por causa da capacidade exploratória da minha mente. É a parte de explorar que é interessante para mim. Não obter resultados.

O fato de você escrever e gravar em casa torna possível mergulhar nesse processo criativo em qualquer grau que você deseje.
Minha vida está muito bem fazendo música durante o dia todo, todos os dias. Mas eu também passo muito tempo deitado, lendo livros, assistindo TV ou saindo com a minha esposa. Faço música por alguns dias, então me distancio por alguns dias. Para mim não é trabalho.

Isso soa como uma boa maneira de viver.
É assim que eu decidi viver. Eu tendo a deixar os fatores da música me guiarem em vez dos fatores do dinheiro. E para mim, música é divertido, relaxante, interessante e estimulante. E eu não tenho que equilibrar isso com alguém me empurrando nesta direção ou naquela direção. Não tenho necessidades do mundo exterior. Então, eu diria que a minha vida é muito uniforme. Não tenho muito estresse na vida.

Scans:
















Scans por Invisible-Movement


Agradecimentos: Universo Frusciante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário